Há 8 anos a marca Dove lançava a campanha que ficou globalmente conhecida como “Retratos da Beleza Real”. O vídeo, que possui milhões de visualizações, chegou a ser um dos mais acessados na história do Youtube. Além disso, a campanha ganhou, no ano em que concorreu, o Gran Prix no Festival de Cannes.

Antes dessa campanha, no entanto, a marca já vinha criando uma comunicação pautada na diversidade de corpos femininos (ainda que com limitações), e o mercado passou a ir em uma direção semelhante, mas a passos lentos. A deficiência das marcas em ir além quando o assunto é inclusão de perfis pode ser atribuída, inclusive, ao excesso de preocupação com a representação e esquecimento da representatividade - esse artigo excelente explica a diferença entre os conceitos.

Em nosso report O Futuro da Beleza trazemos alguns dados que mostram os impactos gerados na sociedade pelo fato do mercado calcar, há anos, na imagem feminina, a fim de criar padrões irreais e inalcançáveis de beleza.

O impacto na autoimagem

Em nossa pesquisa, mostramos que a insatisfação com o próprio corpo afeta, de maneira muito mais contundente, as mulheres.

Enquanto 72% dos homens afirmaram que não fariam nenhum procedimento estético, esse número cai para 48% das mulheres.

Durante a pandemia, o impacto também recaiu sobre cada gênero de maneiras bem distintas. Sem contar uma série de aspectos que dizem respeito à rotina, a relação com o próprio corpo também mostra como a balança acabou pesando para um dos lados.

15% dos homens disseram que a relação com seus corpos piorou na pandemia. Para as mulheres, o número dobra, chegando a 30%.

Por fim, o espelho. Enquanto 76% dos respondentes do gênero masculino dizem estar satisfeitos com o que vêem ao se olhar no espelho, apenas 55% das mulheres dão a mesma resposta.

A visão da sociedade sobre a satisfação em relação ao próprio corpo quando o assunto diz respeito a gêneros mostra como o desequilíbrio na autoimagem já foi normalizado pelas pessoas e é tratado com naturalidade. 

Esses dados mostram como o mercado, ao escolher perpetuar certos padrões estéticos ditados de acordo com a necessidade do período, gerou um mundo ocidental extremamente hostil à imagem do corpo feminino real - seja ele qual for.

De dentro para fora

As marcas que já nasceram com uma mentalidade que vai contra as regras estabelecidas pela indústria conseguiram sair na frente quando o assunto é pluralidade e aceitação. Um excelente exemplo desse caso é a marca Savage X Fenty, da artista e empresária Rihanna.

Desde seu surgimento, a  marca trabalha com a visibilidade e representação de tons, formas, estilos e identidades. A vasta opção de tamanhos incluiu, desde o princípio, mulheres que, por anos a fio, foram invisibilizadas no mercado. Não apenas isso, mas todo o quadro executivo da marca é formado exclusivamente por mulheres - trazendo à luz o conceito que vimos anteriormente de representatividade vs. representação.

Todo esse cenário que envolve a marca comandada pela cantora mostra como uma empresa que já nasce com certos parâmetros e brota da inclusão e diversidade transparece em seus produtos e serviços uma essência que conquista o público por sua honestidade.

Modelos no desfile da marca em 2018 - a presença de uma gestante utilizando um harness representa a sexualidade da mulher grávida, que, geralmente, é representada como uma figura pura e recatada.

Recentemente a marca Victoria’s Secret anunciou uma grande mudança em seu posicionamento, que inclui a substituição das famosas “Angels” por um coletivo de nome VS Collective, composto por mulheres de diversas origens. Além disso, passou a incluir mais mulheres em seu conselho e tem em vista aumentar a disponibilidade de tamanhos e produtos em suas lojas.

Essas alterações, no entanto, foram puxadas por uma queda considerável nas vendas, fruto de uma pressão popular que passou a exigir doses grandes doses de realidade na interação da marca com o mundo. Uma marca que vende produtos para mulheres mirando outro público já não é mais tão tolerada como uma vez já foi no passado.

A questão, aqui, é o quanto uma marca que nasceu com o intuito de agradar aos homens (e não, necessariamente, às mulheres) precisa de fato mudar internamente para que suas ações reflitam uma nova mentalidade em relação ao seu posicionamento.

Pela primeira vez em sua história, a marcas Victoria’s Secret utilizou uma modelo grávida para a campanha de Dia das Mães. No entanto, a aura não deixa de ser angelical e a modelo, apesar da barriga, ainda possui um corpo completamente dentro dos padrões estéticos. 

Humanização do posicionamento

Algumas marcas, no mercado interno, estão utilizando de uma estratégia interessante para se aproximarem das consumidoras: transformando seus assistentes virtuais em símbolos representativos.

O uso de assistentes não é novidade nem foi descoberta das marcas brasileiras. O interessante é observar como as empresas têm feito de assistentes virtuais uma plataforma em si de comunicação de posicionamento e aproximação com o público. Por meio dessas “personas” digitais, traduzem comportamentos que conectam pessoas e marcas de forma muito mais humana.

Excelentes exemplos disso são as marcas Natura e Dailus com seus respectivos avatares: Nat e Dai. Ambas possuem características físicas que fogem do que geralmente vemos em modelos e garotas-propaganda.

Dai e Nat, assistentes virtuais das marcas Dailus e Natura possuem traços físicos que fogem do padrão do mercado - uma mulher gorda e uma mulher negra.

Esses são exemplos de alguns dos passos que empresas têm dado em direção a uma comunicação mais inclusiva. Ao escolher esses perfis para personificar suas marcas, elas não apenas direcionam seu conteúdo para pessoas que tradicionalmente eram excluídas do alcance de certos produtos e serviços, mas, também, comprometem-se a evitar vieses negligentes em suas escolhas.

Inclusão e atualização de valores

Outro exemplo interessante é a recente ação da Nestlé, que trocou a famosa imagem da camponesa na embalagem do Leite Moça por mulheres brasileiras reais, em sua maioria empreendedoras, que utilizam o produto em seus negócios.

Em comemoração aos 100 anos, a marca trouxe imagens de brasileiras reais que têm estreita relação com o produto, deixando de lado a camponesa que tradicionalmente estampava as embalagens. 

Ao optar por trazer imagens de mulheres de verdade - e, em especial, pequenas empreendedoras -, a Nestlé também faz um movimento de valorização a um perfil específico. Como tantos outros, é um perfil que sofre com a vista grossa do mercado, tornando a ação ainda mais importante nos dias de hoje.

Muitas outras marcas têm encontrado caminhos semelhantes ou que levam ao mesmo espaço - como, por exemplo, o reposicionamento da Skol a partir da completa mudança no tom de voz em suas propagandas, reconhecidamente machistas desde que a geração “cringe” tem memória. Sua ação de repaginamento das propagandas de modelos seminuas por artistas mulheres marca bem o início de uma nova fase da marca - que por seu porte acabou influenciando concorrentes no mesmo sentido.

Primeiros passos de uma longa jornada

Todos os casos citados acima mostram que o mercado está tomando uma nova rota, mas o caminho ainda é (bem) longo. Não apenas faltam imagens que representem variedades de corpos em cores, formatos, marcas e, porque não, de pessoas com deficiência, mas também, de identidades.

Em nosso estudo, ficou claro que a superexposição de imagens de mulheres de beleza “europeizada” - magras, altas, loiras -, em fotos completamente artificiais, ou ocupando espaços em filmes e arte popular de destaque e desejo criaram, na sociedade ocidental, mulheres completamente infelizes e insatisfeitas com seus corpos de forma generalizada.

Em um estudo recente sobre gordofobia que realizamos em 2021, vimos como as pessoas associam, além de tantas outras coisas positivas, o sucesso profissional e amoroso à forma física. Isso, por si só, mostra como o culto ao corpo distorceu os valores e moldou muito do que temos hoje no mercado.

O primeiro passo, quando o assunto é “beleza real”, é questionar o que é beleza e quais os impactos de padronizar algo que é absolutamente único e singular: nosso corpo. As marcas que optarem por abraçar um conceito mais convidativo para todos e que reverta a lógica de consumo baseada na baixa autoestima e insatisfação pessoal já estará dando largos passos em direção à um mundo muito mais saudável e consciente.

Se quiser saber mais informações sobre como o isolamento afetou não apenas a autoimagem das pessoas, mas seus hábitos de compra e percepções em relação ao segmento de moda e beleza, acesse nosso estudo O Futuro da Beleza, clicando no botão abaixo!

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