O brasileiro e o dinheiro

Nesse estudo buscamos entender como o brasileiro avalia os serviços financeiros disponíveis no país


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O brasileiro e o dinheiro

Seja em tempos de bonança ou de crise, o dinheiro é inevitavelmente um tema central em nossas vidas. A forma com a qual nos relacionamos com o dinheiro diz muito sobre nossos valores, hábitos e aspirações como sociedade.

Um estudo global realizado pela Standard & Poor's com o objetivo de medir o nível de educação financeira por país colocou o Brasil na 74ª posição, atrás de alguns dos países mais pobres do mundo como Madagascar, Togo e Zimbábue. Uma população com um baixo nível de educação financeira tende a apresentar menor inclusão no sistema financeiro, ter dificuldades em tomar decisões relacionadas ao uso do dinheiro e possuir altos índices de endividamento, dentre outros problemas.

Este quadro revela um grande desafio que o país ainda enfrenta: entender mais a fundo a forma com que o brasileiro se relaciona com o dinheiro e tornar acessível para a população o conhecimento sobre conceitos essenciais para uma melhor administração das finanças pessoais.

Como o brasileiro lida com suas finanças pessoais?

Com o objetivo de se aprofundar na questão de como o brasileiro se relaciona com o dinheiro, a MindMiners realizou um estudo com 1.000 pessoas espalhadas por todo o Brasil, de todas as classes sociais e faixas etárias. As respostas foram obtidas por meio do painel digital MeSeems entre os dias 16 e 26 de dezembro de 2019. Em dezembro de 2017, já havia sido rodada uma primeira onda do estudo sobre o tema.

Por meio da pesquisa, procuramos entender como o brasileiro avalia os serviços financeiros disponíveis no país, quais os bancos mais admirados, como o crescimento das fintechs e serviços digitais é visto, como as decisões de investimentos pessoais são tomadas, como as pessoas lidam com suas despesas e dívidas e quais as expectativas financeiras para os próximos anos, entre outros tópicos de grande importância. Vamos desbravar os principais resultados a seguir?

Bancos x Fintechs: a batalha que está apenas começando

O Brasil é conhecido por ter uma das maiores concentrações bancárias do mundo. Cinco bancos - Banco do Brasil, Itaú, Bradesco, Caixa Econômica Federal e Santander - detêm 81,2% dos ativos totais do segmento comercial. Para se ter uma ideia, nos Estados Unidos, os cinco maiores bancos não detêm nem 50% dos ativos totais do país. No entanto, nos últimos anos, o avanço dos bancos digitais vem ameaçando mudar este cenário. Em cinco anos, o total de operações financeiras realizadas por Bradesco, Itaú, Santander, Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal caiu de 77,3% para 69,9% do total, devido ao avanço dessas novas instituições financeiras.

Ao longo da pesquisa, sinais desse avanço puderam ser notados. Na lembrança espontânea de instituições financeiras, chama a atenção o crescimento da menção aos bancos digitais, como Nubank e Inter, em relação aos dados de 2017, ao mesmo tempo em que bancos tradicionais, como Itaú e Banco do Brasil, tiveram uma redução no número de citações. É importante destacar que essa tendência foi observada também nas classes C, D e E, segmentos que muitas vezes pelo senso comum não são tão associados às fintechs.

Também chama a atenção o grande crescimento no awareness das fintechs nos últimos dois anos. Caso você ainda não saiba o que são fintechs, esse guia completo "O que é fintech", criado pela Superlógica, poderá te ajudar.

De acordo com nossa pesquisa, a taxa de conhecimento do Banco Inter, do Banco Neon e da Creditas, por exemplo, chegou a crescer em torno de 3 vezes. O Nubank, líder da categoria, por sua vez, já é conhecido por 3/4 dos respondentes. Além disso, foi a marca mais associada de forma espontânea a serviços digitais financeiros, saltando de 8% para 27% de menções, invertendo o quadro de 2017, no qual o Itaú liderava, com 19% de citações (contra apenas 6% atualmente).

O número de pessoas que utilizam algum produto ou serviço de fintechs também cresceu exponencialmente. Em 2017, apenas 25% dos respondentes o faziam, enquanto em 2019, o número saltou para 55%. Aqui, mais uma vez, é possível observar o predomínio do Nubank, embora outros bancos como Inter e Neon também tenham apresentado grande crescimento e sinalizem para uma maior concorrência na categoria nos próximos anos.

O que explica a rápida ascensão dos bancos digitais? Principalmente o fato da proposta de valor oferecida cobrir as principais demandas que o consumidor tem em relação à prestação de serviços financeiros. Quando instados a selecionar os principais motivos para a escolha de uma instituição na hora de abrir uma conta ou contratar um produto/serviço financeiro, os respondentes citaram principalmente tarifas baixas (45%), bom atendimento (29%), pouca burocracia nas operações (23%) e a experiência digital (22%), justamente os fatores nos quais as fintechs apresentam um melhor desempenho do que os bancos tradicionais.

De modo geral, clientes de bancos digitais apresentaram uma maior taxa de satisfação na comparação com clientes de bancos tradicionais (média de 4,35 versus 3,86, respectivamente) e, conforme já citado anteriormente, é interessante destacar que o crescimento das fintechs também parece se dar com bastante força nas classes C, D e E, de acordo com os dados da pesquisa.

Concomitante a esse cenário, há também um aumento da reputação dos bancos digitais. Considerada no início uma grande barreira para a expansão desse tipo de serviço financeiro, uma suposta menor reputação não parece mais ser um grande entrave. Em comparação com 2017, cresceu o percentual de respondentes que faria operações digitais em fintechs, embora ainda haja certa resistência para a contratação de certos serviços como a compra de seguros e a realização de investimentos.

Alguns dados sinalizam que existe um mercado ainda a ser desbravado pelas fintechs. Entre os respondentes que não utilizam produtos ou serviços financeiros digitais, a maior parte não o faz por nunca ter refletido sobre essa possibilidade ou ter pouco conhecimento sobre o assunto. São pessoas que em geral estão a procura de menores tarifas financeiras e operações 100% digitais, porém até o momento não foram atingidas de modo eficiente pela comunicação das fintechs. Trata-se de um grupo heterogêneo, composto tanto por jovens quanto pessoas mais velhas, de todas as classes sociais.

No entanto, é difícil prever até onde as fintechs irão chegar. Os bancos brasileiros mais tradicionais, como o Itaú, Bradesco e Banco do Brasil, estão classificados entre os maiores do mundo, possuem um histórico de décadas de sucesso e vêm procurando se reinventar, com a adoção de novas tecnologias e serviços digitais. Os próximos anos no setor financeiro prometem fortes emoções!

Gastador, desorganizado e...endividado!

O brasileiro é poupador ou gastador? Em um estudo realizado pelo Banco Mundial sobre o quanto as pessoas poupam para a velhice, o Brasil ficou na 101ª posição, atrás de nações muito mais pobres como Bolívia e Mali. Esse resultado vai de encontro a um problema histórico da economia brasileira: uma das taxas de poupança mais baixas do mundo, que traz consigo diversos problemas como uma menor taxa de investimentos e taxas de juros altas para os padrões globais.

Diversos dados revelados pelo nosso estudo vão de encontro a esse cenário. A maioria dos respondentes afirmaram gastar ao menos 80% do salário mensal. Por meio da pesquisa, verifica-se também que o brasileiro em geral é pouco organizado no que diz respeito à administração de suas finanças pessoais. Apenas 1/3 dos respondentes registra todos gastos efetuados e impressionantes 40% disseram que não registram nenhum gasto que fazem no dia-a-dia.

Há também uma grande confusão em relação a alguns conceitos básicos de finanças. 1/3 dos respondentes não sabe que financiamento e empréstimo são coisas diferentes e menos da metade sabe que os juros de um financiamento costumam ser menores do que os juros de um empréstimo. Ainda assim, metade dos respondentes disse considerar um financiamento ou empréstimo como a melhor solução para viabilizar a compra de um carro ou de uma casa nova.

Para piorar a situação, a minoria das pessoas disse que quando parcela as compras, sabe o valor dos juros cobrados. Dado que o Brasil possui uma das 10 maiores taxas de juros do mundo, o dado é alarmante.

O resultado disso tudo: o brasileiro está endividado. 2/3 dos respondentes possuem ao menos uma dívida e os principais credores são os bancos e o comércio formal.

Ao mesmo tempo, apesar dos resultados da pesquisa mostrarem que o brasileiro tem perfil gastador e é pouco organizado em relação às finanças pessoais, poucas pessoas parecem ter a real noção da sua situação financeira. Embora a maioria esteja endividada, apenas 25% diz ter o hábito de fazer dívidas. Além disso, a minoria acredita gastar mais do que deveria e somente 1/4 não se considera financeiramente organizada. Chama a atenção também o alto número de pessoas que acredita que terá uma velhice financeiramente tranquila: apenas 23% dos respondentes discordam dessa afirmação.

Otimismo ou falta de noção? Cada um pode interpretar os dados da maneira que preferir, mas o fato é que o que o brasileiro fala não condiz com a dura realidade mostrada pelos números.

Como é o investidor brasileiro?

Em períodos de baixo crescimento econômico, saber investir torna-se ainda mais importante. Tesouro direto, renda fixa, renda variável...atualmente, se tem algo que não se pode reclamar, é da falta de investimentos para todos os gostos e bolsos. Informação também não falta: novos blogs e aplicativos com dicas de investimento pipocam diariamente com o objetivo de ajudar as pessoas a fazerem um melhor uso do seu dinheiro. Porém, será que o brasileiro está sabendo aplicar seu dinheiro da forma mais correta? Os resultados são desalentadores.

Apenas 10% dos respondentes disseram ter um alto conhecimento sobre investimentos e 62% disseram não estarem seguros de que estão aplicando o dinheiro da melhor forma. 40% afirmaram não realizar nenhum investimento e 46% disseram aplicar na poupança, meio de investimento considerado cada vez menos atraente por especialistas devido às baixas taxas de juros atuais no país. Interessante notar a baixa quantidade de respondentes que citaram as criptomoedas como forma de investimento. Em 2018, no auge dos bitcoins, a MindMiners fez um estudo sobre o tema.

Também é baixo o número de pessoas que segue algum influenciador ou especialista em investimentos. O número gira em torno de 27% e os mais citados foram Nathalia Arcuri, Thiago Nigro e Gustavo Cerbasi.

Por outro lado, a maior parte dos respondentes afirmou se informar a respeito de investimentos. O YouTube é o principal canal de informação (25%), seguido de portais especializados (16%), como o InfoMoney, recomendações do banco (16%) e recomendações da família (15%).

2020: alívio financeiro ou mais um ano de crise?

Depois de passar por uma das piores crises da história, o brasileiro parece otimista para 2020: 72% dos respondentes acreditam que terão uma melhora na situação financeira pessoal. Além disso, embora apenas 28% estejam satisfeitos com a própria situação financeira, metade acredita que a situação pessoal melhorou no último ano. Os números são mais positivos nas classes A e B e entre os mais jovens.

O mercado financeiro prevê um crescimento de 2,3% do PIB (Produto Interno Bruto) para 2020, que seria quase o dobro do crescimento registrado nos últimos dois anos. No entanto, em se tratando de Brasil, há sempre uma certeza quando um novo ano se inicia: os economistas errarão suas previsões. Se o erro será para cima ou para baixo, fica a critério do otimismo (ou pessimismo) de cada um. Os brasileiros, dessa vez, parecem ter escolhido o otimismo.

O que você faria se ganhasse R$ 1 milhão?

Se ganhasse R$ 1 milhão, a maior parte dos brasileiros reinvestiria esse dinheiro, seja no banco, mercado financeiro, imóvel ou em algum negócio próprio. Aqui, temos mais uma contradição com o perfil gastador, pouco investidor e endividado do brasileiro.

Também chama a atenção o baixíssimo número de pessoas que afirmou que faria alguma doação ou criaria algo de impacto social, em conformidade com a baixa cultura de filantropia que há no país: de acordo com estudo realizado em 2015, o Brasil ocupa a 85ª posição entre os países que mais doam no mundo, atrás até mesmo de vizinhos como Equador e Paraguai.

Moral da história

Os dados mostram que o país tem vários desafios pela frente em matéria de educação financeira. Temos uma população altamente endividada, que controla pouco seus gastos e possui baixo conhecimento sobre investimentos. Ao mesmo tempo, a maior parte das pessoas não parece ter consciência a respeito disso: muitos acreditam que mesmo poupando pouco e realizando maus investimentos, terão uma velhice financeiramente tranquila. Infelizmente, sabemos que não existem milagres quando alguns princípios básicos da matemática são desrespeitados.

Como boa notícia, há o fato de que o poder público tem se preocupado mais com o assunto nos últimos anos. De acordo com as novas diretrizes da Base Nacional Comum Curricular-BNCC, estabelecida em 2018, a educação financeira deve ser incluída na grade do Educação Infantil e o Ensino Fundamental como uma disciplina transversal a partir de janeiro de 2020. Isso significa que, com essa medida, temas como planejamento financeiro, consumo e taxa de juros serão obrigatoriamente discutidos em diferentes disciplinas, como matemática, geografia e história.

A ideia é que com isso, as próximas gerações de brasileiros tenham uma maior consciência a respeito da gestão de suas finanças pessoais e um maior background para a tomada de decisões referentes ao assunto.

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