Preconceito, discriminação, protestos, mortes, e o sentimento de injustiça que nunca vai embora. Essas palavras descrevem brevemente a realidade do negro desde que o Brasil é Brasil. Mais de 130 anos após a sanção da Lei Áurea, e mesmo possuindo uma população 56% negra, por que o Brasil ainda é um dos países mais racistas do mundo?

Por que, de repente, todos estão falando sobre o racismo?

Na verdade, o racismo sempre esteve em discussão, mas só agora todos pararam para observar o que ele causa.

Há poucos meses, o estopim da discussão sobre racismo deu-se após o mundo testemunhar o caso extremamente violento contra George Floyd, que foi brutalmente assassinado por um policial que passou 9 minutos com o joelho pressionado em seu pescoço, após ter sido acusado de supostamente utilizar uma nota falsa em uma loja. Por conta disso, uma onda de protestos teve início nos Estados Unidos em prol do movimento “Black Lives Matter” e em busca de justiça por George.


Porém, notícias sobre casos de violência policial contra a população negra não são novidade nos Estados Unidos. E nem no Brasil.

Uma semana antes do caso de George, João Pedro, de 14 anos, teve sua casa alvejada por mais de 70 tiros durante uma operação policial, em São Gonçalo, na região metropolitana do Rio de Janeiro. João Pedro foi fatalmente atingido e teve seu corpo removido de dentro de sua casa por policiais, que não avisaram à família sobre o paradeiro de seu corpo.

João Pedro só foi encontrado 17 horas depois, no Instituto Médico Legal. Sem vida.

Quando questionamos a percepção dos respondentes da rede social de opinião MeSeems sobre esses acontecimentos, a maior parte concorda que a morte de George Floyd e de João Pedro foram casos de racismo. Mas agora, resta uma dúvida:

Por que os casos de racismo são pouco discutidos e muitas vezes, normalizados?

Antes de ser fatal, o racismo precisa ser sutil.

Ao contrário do que muitos pensam, o racismo não atinge somente a população negra. Suas vítimas podem ser todas as pessoas que fazem parte de algum grupo étnico em algum território em que há a dominação política, econômica e social de outro grupo, mesmo que este não seja exatamente a maioria em questão de volume populacional. No Brasil, as manifestações racistas atingem principalmente negros, indígenas e asiáticos.

Algumas atitudes racistas foram tão repetidas ao longo do tempo, que passaram a ser vistas como algo normal do cotidiano. E é dessa forma, sutil, que nasce um discurso de ódio.

Um caso bastante comentado, mas que não repercutiu da mesma maneira como os citados anteriormente, foi quando o ex-ministro da educação, Abraham Weintraub, falou sobre a possibilidade da China se beneficiar economicamente com a crise do COVID-19.  A princípio pode passar despercebido, uma vez que o comentário foi direcionado a uma população que não costuma estar no debate central sobre o racismo no Brasil. Mas, pode ser considerado uma ofensa racial, por conta da forma como o comentário foi escrito, imitando de maneira pejorativa a forma como chineses podem pronunciar fonemas da língua portuguesa. Apenas 36% da nossa base de respondentes concordaram ser um caso de racismo.

De onde vem essa normalização?

Quando o assunto é racismo, precisamos estar cientes de que é um problema social que existe desde a fundação do nosso país, e assim conseguimos entender como ele passou a ser visto de forma normalizada na sociedade.

O conceito de “Racismo estrutural” explica muito bem como isso aconteceu.

Um bom exemplo dessas formas sutis em que o racismo se manifesta, é através de termos, frases e até piadas populares e antigas. Tão antigas, que nem sabemos de onde vieram e como começaram a se espalhar.

Segundo a nossa pesquisa, a maioria dos respondentes, ao mesmo tempo que afirmam já ter utilizado algumas expressões racistas como: “Lista negra”, “A coisa tá preta”, “Mercado negro” e “Cor do pecado”, muitos (28%) não souberam dizer se já fizeram ou não comentários/piadas racistas.

  • Apenas 24% afirmou que já fez algum comentário/piada racista, mas se arrepende e costuma reagir quando escuta alguém fazendo.

Mas essa história não acaba só na forma como alguém se refere a uma pessoa de outra etnia.

O brasileiro, no geral, entende que as pessoas são tratadas de maneira diferente em estabelecimentos e instituições apenas pela cor da sua pele. A maior parte concordou em algum grau que as pessoas não são tratadas igualmente nos seguintes locais:

  • 68% instituições financeiras;
  • 86% polícia;
  • 75% sistema judicial;
  • 79% trabalho;
  • 81% lojas e restaurantes.

Entre os respondentes que se declaram negros, 49% afirmou já ter sofrido algum tipo de discriminação ou já foi tratado(a) de forma injusta por conta da sua pele. Entre os brancos, esse percentual cai para 14%.

As principais situações de discriminação que os respondentes negros afirmaram já terem vivido foram:

  • 60% já se sentiu desconfortável em lugares frequentados por pessoas de classes sociais mais altas;
  • 34% já foram tratados como se tivesse baixa capacidade intelectual;
  • 28% já tiveram seu caráter questionado sem fundamento.

Isso quer dizer que o Brasil é um país racista?

"A Redenção de Cam", de Modesto Brocos. 

Pouco tempo depois da Abolição da Escravidão e Proclamação da República, o Brasil passou a adotar os costumes europeus como referência para criar uma identidade nacional. Porém, o perfil da população brasileira não correspondia a essas referências.

Por conta disso, boa parte dos intelectuais da época enxergavam o povo negro como uma representação de atraso, prejudicando a identidade nova e moderna que o país tanto almejava. Assim, as teorias científicas do branqueamento surgiram, e a solução proposta foi misturar a população negra com a branca, incluindo os imigrantes europeus, geração por geração, até mudar o perfil “racial” do país, de negro a branco.

O quadro “A Redenção de Cam”, é considerado uma representação visual da teoria do branqueamento, principalmente após ter ilustrado a tese do médico e diretor do Museu Nacional, João Batista de Lacerda, no Congresso Universal das Raças, realizado em Londres, em 1911.

Então, respondendo a primeira pergunta:

Sim, o Brasil é um país racista, mesmo com mais metade da população sendo negra. Além de 57% dos respondentes acreditarem que o Brasil é um país extremamente racista, onde o preconceito e a discriminação por conta de etnia estão presentes em todos os níveis da sociedade, e 40% acredita que nunca haverá igualdade racial no país.

  • Apenas 7% não considera o Brasil como um país racista.

A origem disso vem do maior erro executado pelo governo na época em que a escravidão foi abolida: marginalizar ao invés de desenvolver políticas públicas para inserir a população negra recém liberta na sociedade. No papel, negros eram livres, mas na prática, não eram vistos como cidadãos.

A historiadora Lilia Moritz Schwarcz diz que, após o fim da escravidão, muitos jornais da época passaram a noticiar pessoas negras encontradas mortas. Porém, as mortes eram atribuídas à embriaguez, o que tirava da sociedade e do governo a responsabilidade dessas mortes.

“MORTO DE FRIO: Sexta-feira última foi encontrado na estrada que vai de Sorocaba ao bairro da Árvore Grande um indivíduo de cor preta de nome Sebastião. Pelas observações feitas, verificou-se que Sebastião morrera enregelado talvez devido a achar-se sob efeito do álcool (Correio Paulistano, 13 de agosto de 1890)”

Essa postura passiva em favor do racismo prejudicou muito o desenvolvimento do Brasil como sociedade, tendo em vista que o sangue de mais da metade de sua população, além de desvalorizado, foi derramado.

O racismo em números

Força de trabalho, por cor ou raça

Distribuição de cargos por cor ou raça

Homicídios no Brasil, por cor ou raça

Presos brasileiros, por cor ou raça

E agora, o que nós, enquanto marcas, empresas e indivíduos, podemos fazer para minimizar os impactos do racismo no Brasil?